31 de outubro de 2019

Frase do dia

As vitórias de ontem são menos importantes que os planos de amanhã. (Oscar Wilde)

Arrumando a casa

A edição de número 1018 do Diário Oficial de Mangaratiba, ao que parece, busca acertar a situação burocrática de dezenas de pessoas que foram nomeadas e exoneradas “de boca”, ao longo do quase um ano de mandato da atual gestão municipal. Os atos, em sua maioria, são retroativos a março de 2019 havendo pelo menos um com data retroativa a novembro do ano passado. A prática dessa publicação de atos “com efeito retroativo”, não é exclusividade do atual governo municipal, mas prática relativamente comum no município. Todavia, não custa lembrar o princípio jurídico que estabelece que “a eficácia do ato administrativo ocorre a partir da publicação do respectivo ato na imprensa oficial”.

Arrumando a casa II

Como mero exercício intelectual, imaginemos o risco jurídico que o poder público enfrentaria em situações como essa, caso um (ou mais) desses ora exonerados tivesse vindo a falecer ao longo do ano, sem que tivesse havido a publicação do ato de exoneração. Quem já lidou com as conseqüências jurídicas do evento “morte”, sabe que tudo o que se refere a direitos e sucessões tem como marco irremovível tudo o que fazia parte do patrimônio personalíssimo do falecido não pode ser modificado, acrescido ou retirado por ato posterior àquele instante do falecimento. Teríamos, assim, verdadeiros “funcionários fantasmas”.

Eventos e fakes

Em vídeo divulgado através das redes sociais, o prefeito Alan bombeiro dá explicações e se queixa de “pessoas mal intencionadas que andam falando mentiras a respeito do Calendário de Eventos de Mangaratiba e o trabalho que está sendo desenvolvido”. Apesar de não haver citação direta a nenhum internauta ou página específica, o blog “Notícias de Itacuruçá” esclarece que fez, sim, algumas críticas ao longo do ano sobre o calendário de eventos deste segundo semestre, especialmente no que diz respeito à prioridade dada a eventos do tipo “festas” e a absoluta ausência de eventos ligados à população afrodescendente, dos quilombolas da Marambaia, do Dia Nacional da Consciência Negra, ou das fazendas Santa Efigênia e Santa Justina.

Vida de gado

Ontem, por volta das 13 horas, quem estava em Itaguaí querendo se deslocar para Mangaratiba, teve à disposição o ônibus 116T de Itaguaí para Praia do Saco, da viação Expresso Recreio. O carro, em si, do tipo rodoviário, tinha algum conforto, com ar condicionado funcionando. No parabrisa dianteiro interno havia a indicação de que o veículo poderia transportar cinqüenta passageiros sentados e nenhum passageiros em pé. Ocorre que, saindo do ponto em frente ao supermercado Berg’s, não foi mais possível sequer parar no ponto seguinte. Todos as cinqüenta poltronas estavam ocupados e, pelos corredores, se espremiam, de pé, mais cerca de cinqüenta pessoas.

A propósito

Nessa viagem, um morador de distrito registrou uma conversa entre motoristas da empresa aglomerados no pequeno espaço da cabine dianteira. Um deles dizia que não gostava de fazer os últimos horários da linha, apesar de morar em Mangaratiba, porque teria de recolher o veículo na Praia do Saco e voltar a pé até o Apara porque naquele horário não tem mais nenhum tipo de condução até sua casa. Prefere, então, linhas matinais, vez que entrega o veículo à uma da tarde em Itaguaí e volta para casa nos ônibus em circulação diurna.

Estranhas intrigas

O Ministério Público do Rio informou nessa quarta-feira que o depoimento do porteiro do condomínio do presidente Jair Bolsonaro sobre a liberação da entrada do ex-PM Élcio Queiroz não é compatível com a gravação da chamada feita pelo interfone da portaria. Em coletiva de imprensa, o MP afirmou que o áudio confirma que quem autorizou a entrada de Élcio no condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, foi o sargento aposentado da Polícia Militar Ronnie Lessa. A gravação confirma que os dois acusados do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes se encontraram horas antes do crime no dia 14 de março de 2018. Segundo o MP-RJ, embora a planilha de controle de entradas e saídas no condomínio indique que Élcio teria informado que iria à casa 58, a gravação mostra que houve contato da portaria com a casa 65. A voz do homem que atendeu o porteiro foi identificada pelos peritos do MP como sendo de Lessa, a partir de uma comparação com a voz dele registrada em depoimentos à Polícia Civil do Rio. Segundo o MP-RJ, o porteiro pode ser processado por falso testemunho, caso seja comprovado que mentiu em depoimento. Em um primeiro momento, a promotora Simone Sibilio, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Autorizado responsável pelo caso, chegou a afirmar que o porteiro havia mentido. (Fonte: Jornal Extra)

Autor: Prof. Lauro

Psicólogo, Professor Universitário, aposentado, e escritor, 72 anos, divorciado, três filhas e seis netos. Com residência de temporada em Itacuruçá desde 1950 e definitiva a partir da aposentadoria em 2001.

Uma consideração sobre “31 de outubro de 2019”

  1. Bom dia, Prof. Lauro e leitores.

    Acerca das portarias com efeito retroativo, fato é que não há previsão legal para a nomeação/designação retroativa de servidores/empregados públicos. Aliás, é de comezinha sabença que ao administrador público só é possível fazer aquilo que a lei permite, segundo impõe o princípio da legalidade…

    Além do mais, a nomeação trata-se de um ato constitutivo de efeito atual, não podendo o prefeito querer retroprojetá-lo para o passado. Por isso, ao meu ver, atos de nomeação retroativa poderiam até ser declarados nulos, no todo ou em parte, inclusive por ação judicial, tanto em ação popular, movida por qualquer cidadão, como por iniciativa do Ministério Publico por ação civil pública.

    Numa consulta aos artigos 9º a 12 da Lei Federal n.º 8.429/92, verifica-se que tanto quem nomeou como quem se beneficiou ilicitamente da nomeação (neste caso agindo de má-fé) pode ser responsabilizado. Aliás, na hipótese de servidor público, pode caber até a perda da função pública do responsável pela nomeação dentre outras penalidades previstas. Assim, devido à edição de atos sem previsão legal, não seria incabível a suspeita da prática de improbidade administrativa.

    Como agente público, o prefeito deve zelar pela obediência aos princípios que regem a atividade administrativa, explícitos no artigo 37, caput, da Constituição Federal. Segundo Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, “concebidos os princípios como espécies das normas jurídicas, a análise da deontologia dos agentes públicos pressupõe, necessariamente, que todos os seus atos sejam valorados em conformidade com as regras e os princípios que os informam” (“Improbidade Administrativa”. 5ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.)

    Nesse sentido, a Lei 8.429/92, ao dar concretude ao artigo 37, § 4º da Constituição Federal, considerou ato de improbidade administrativa a mera violação aos princípios regentes da atividade estatal e, assim, conferiu novos contornos à compreensão da probidade, considerada, até então, especificação do princípio da moralidade administrativa. Logo, segundo a disciplina constitucional, probidade não mais se encontra relacionada exclusivamente à moralidade administrativa, mas, sim, à juridicidade, assim entendida o conjunto de princípios e regras regentes da atividade estatal…

    Ademais, a moral administrativa, segundo um dos autores jurídicos acima citados, é extraída do próprio ambiente institucional e condiciona a utilização dos meios previstos em lei para o cumprimento das funções estatais e a realização do bem comum. Ou seja, a moral administrativa pauta a conduta dos agentes públicos, no âmbito institucional, a partir da ideia de boa administração, conforme os princípios regentes da atividade estatal.

    Indiscutivelmente, vulnera a moralidade administrativa a edição de ato administrativo não amparado em lei que é a nomeação com efeitos retroativos para a ocupação de cargo/emprego público comissionado. Por isso, acentuando o dever do agente público de agir com respeito à moralidade administrativa e, ainda, violando os princípios do Estado Democrático de Direito (buscar o bem comum, preservar a ordem pública e promover a incolumidade das pessoas), discorre o doutrinador jurídico em sua obra citada:

    “A moralidade limita e direciona a atividade administrativa, tornando imperativo que os atos dos agentes públicos não subjuguem os valores que defluam dos direitos fundamentais dos administrados, o que permitirá a valorização e o respeito à dignidade da pessoa humana. Além de restringir o arbítrio, preservando a manutenção dos valores essenciais a uma sociedade justa e solidária, a moralidade confere aos administrados o direito subjetivo de exigir do Estado uma eficiência máxima dos atos administrativos, fazendo que a atividade estatal seja impreterivelmente direcionada ao bem comum, buscando sempre a melhor solução para o caso”.

    Acrescente-se que, mesmo se a pessoa nomeada tenha ou não trabalhado efetivamente para a Prefeitura, não há como se reconhecer uma prestação informal do serviço à Administração Pública, sem que haja a prévia constituição do vínculo com o Município. Logo, torna-se flagrantemente ilegal e imoral o ato de nomeação retroativa.

    Além de macular a legalidade e a moralidade administrativa, a reiterada conduta do prefeito municipal também se mostra em desacordo com a perfeita observância do princípio da impessoalidade. Aliás, todo esse excesso de nomeações que temos visto nas edições do DOM (a de n.º 880 teve mais de 600 portarias) faz suspeitar de uma provável burla à regra do concurso público, tornando-se uma continuidade da prática contínua de contratações temporárias. Ainda mais quando o certame da Administração encontra-se vigente (foi prorrogado até março de 2020) e há candidatos aprovados ainda aguardando vaga ou compondo o cadastro de reserva.

    Ora, incontestável é a legitimação do Ministério Público para promover a defesa do patrimônio público por meio da ação civil pública, o que advém tanto da Constituição Federal quanto da legislação infraconstitucional. Neste caso, o alcance seria maior do que numa demanda popular, caso esta fosse novamente tentada contra o atual gestor a exemplo de um jurisdicionado (não sei se cidadão mangaratibense) na época quando o então prefeito interino, Vitinho, governou o Município, dando origem aos autos n.º 0007168-31.2018.8.19.0030, ainda em curso. Pois, na propositura de ACP, poderá ser requerida pelo Promotor de Tutela Coletiva a condenação das pessoas envolvidas (de quem nomeou e dos favorecidos), obrigando-as a ressarcir os cofres públicos. Inclusive, já foram prolatadas pelo atual titular do Juízo da Vara Única da Comarca, Dr. Marcelo Borges, decisões que determinaram a exoneração dos comissionados e seus respectivos abonos, nos processos 0005888-64.2014.8.19.0030 e 0005739-34.2015.8.19.0030, o que foi confirmado pelo Desembargador Luciano Saboia Rinaldi de Carvalho, no julgamento do Agravo de Instrumento n.º 0041071-84.2017.8.19.0000, mas que até a presente data não foram cumpridas.

    Além disso, pode o Ministério Público abrir um inquérito civil público e tentar a formalização de um TAC a fim de que essa situação de ilegalidade e inconstitucionalidade, prolongada por vários meses, venha ser corrigida. E, no meu modo de ver, este seria um caminho inteligente para o Ministério Público, por meio da 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo de Angra dos Reis, buscar uma solução que seja satisfatória em que o atual Chefe do Executivo compareceria presencialmente a uma audiência e lá assinaria um acordo, sob pena de multa pessoal, para, progressivamente, ir aparando as arestas. É como penso.

    Ótimo final de quinta-feira a todos!

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