MANGARATIBA

Um pouco da história de Mangaratiba

Na virada do século XIX para o século XX, Mangaratiba, como os demais municípios portuários da Costa Verde, encontrava-se mergulhada em uma grande crise financeira. Crise essa, provocada pela junção de três fatores: pelo alto custo da Estrada Imperial, em 1857, pela chegada do trem em Barra do Piraí, em 1864 e pela Abolição da Escravatura, em 1888. Para piorar essa situação, uma epidemia de varíola provocou um êxodo rural, esvaziando a pequena vila. O presidente da Câmara de vereadores de 1894, dono da “Fazenda de Itacuruçá” e grande produtor de bananas, José Caetano de Oliveira, passou a lutar para trazer o trem para Mangaratiba. Em 1º de fevereiro de 1911, realizando o grande sonho dos mangaratibenses, o trem finalmente chega ao município movimentando a população economia da região. Nesse período, o mundo começava a viver o conflito da Primeira Guerra Mundial e o consumo de lenha aumentou, consideravelmente, já que a maior parte do carvão mineral consumido no Brasil vinha da Europa e, durante a guerra, foi totalmente cortada sua exportação. A própria Central do Brasil era uma grande consumidora desses produtos para tocar a famosa “Maria fumaça”. Os lavradores aproveitavam os espaços abertos com o corte de lenha e da madeira para plantio da banana. Aos poucos, os bananais foram se espalhando pelas serras da região e ganhando destaque na economia de Mangaratiba. Grandes carregamentos desse produto chegavam às estações e paradas de trem, levados por tropas de burros, carroças e barcas. Os trens que circulavam por essa região foram apelidados por “Macaquinhos” por andarem repletos de bananas. Esses trens possuíam também vagões reservados para o transporte de lenha, de carvão e do pescado. Este último, devido ao cheiro forte, era geralmente transportado no último vagão.

Leituras de domingo II

Todas as localidades do município se engajaram nesse processo produtivo. O cenário econômico de Mangaratiba poderia ser representado por um quadro de serras e planícies devastadas, dando lugar aos bananais, também pelas estações ferroviárias repletas de sacas de carvão e feixes de lenha e cachos de bananas aguardando embarque nos trens.
Nas áreas onde não havia trem, a banana descia a serra transportada em lombo de burros dentro de grandes jacás e, depois era conduzida, em canoas, até as praias, de onde era embarcada nos trens com destino à Santa Cruz, onde os compradores já esperavam pelo produto na estação. Sobre os trilhos do trem, também chegava à região o que seria hoje a principal base econômica deste município: o turismo. Todo o litoral passou a viver a efervescência do turismo praiano. Nos finais de semana e em períodos de férias e feriados, os trens chegavam do Rio de Janeiro abarrotados de turistas que desembarcavam nas estações à procura das belíssimas praias e ilhas da região.

Leituras de domingo III

Logo após o final da Primeira Guerra Mundial, o fluxo de veranistas aumentou. Pequenos lugarejos foram se transformando em vilas balneárias de “veraneio zona sul”. Em Itacuruçá, foi construída uma “Casa de Banho”, local onde os banhistas poderiam tomar banho e trocar roupas antes de embarcar de volta nos trens. Logo, logo, foram surgindo clubes esportivos e recreativos por todos os balneários. Esses clubes traziam muitas excursões de pequenos times cariocas para jogos amistosos com os times locais. Os excursionistas reservavam vagões inteiros nos trens para suas delegações. O turismo já passou a contribuir fortemente para a receita municipal, juntamente com a produção de bananas e com o pescado, que teve Itacuruçá como a principal área produtora. Por todo o benefício que o trem trouxe à Mangaratiba, podemos considerar o ano de 1911 como um marco histórico do desenvolvimento deste município. Devido a essa grande expansão turística, as passagens de trem para essa região passaram a ter preços abusivos. As autoridades mangaratibenses reclamavam com a Central do Brasil, alertando que o fluxo de turismo estava diminuindo e empobrecendo o município, mas não obtinham nenhuma resposta. Essa situação só foi revertida quando, em 27 de janeiro de 1931, a cidade de Mangaratiba teve a honra de receber o presidente Getúlio Vargas e toda sua equipe de governo num histórico passeio de trem que tinha como objetivo estudar o funcionamento da locomotiva movida a álcool-motor. Após um farto almoço na fazenda do prefeito Victor de Souza Breves e um bom papo de “pé de ouvido”, nosso querido presidente, assim que retornou ao distrito federal do Rio de Janeiro, decretou um justo preço para as passagens.

Leituras de domingo IV

Entre os ilustres turistas que viajavam no “macaquinho”, estava o cantor Luiz Gonzaga que, volta e meia, vinha se hospedar na casa de veraneio de seu parceiro Humberto Teixeira, na praia do Guity. Encantados pelas belezas naturais, pelas frutas e pelas belas mulheres da localidade como Zazá, Carine, Ivete, Ana Maria e Leni, compuseram o “xote Mangaratiba” que explodiu nas paradas de sucesso, na década de 50. Essa música destaca o ritmo marcado do balanço do trem, enchendo de saudades todos aqueles que, como eu, guardam na memória poética a deliciosa viagem pelo litoral mangaratibense. Quem fez essa viagem não se esquece jamais, porque o trem percorria longo trecho à beira mar. Dava para sentir o frescor das ondas estourando nas costeiras, a brisa do mar, o cheiro da mata verde. Muitos viajantes sentavam nas portas do trem ou esticavam os braços pelas janelas para alcançarem os galhos das árvores. Mesmo depois da inauguração da Estrada de rodagem RJ-14, o trem continuava tendo a preferência dos jovens turistas, principalmente dos integrantes do “movimento hippie”. Todas as sextas feiras, esses jovens embarcavam na Estação de Santa Cruz, à tardinha, com barracas, mochilas, comidas e violões para acamparem nas praias de Mangaratiba. Por todos os vagões só se via festas com muita cantoria, namoros e um forte cheiro de bebidas e maconha pelo ar. Nesse período, a praia do Sahy virava um verdadeiro “Festival de Woodstock”. A população sonha com um dia em que teremos um trenzinho turístico percorrendo nosso belo litoral. Como diz o poeta: “Sonhar não custa nada”. (Mirian Bondim é Arqueóloga e Historiadora- Escreve aos sábados na Santa Paciência)